Os cursos hídricos sempre foram utilizados como um ponto estratégico devido às vantagens que ele proporciona. Nos tempos primórdios o meio de transporte mais utilizado nas vias hídricas eram as embarcações formadas por madeiras, no entanto com o passar dos anos, houve-se a necessidade de transportar cada vez mais pessoas e cargas, e considerando os avanços tecnológicos essas embarcações começaram a ser fabricadas com outros materiais como, o aço.
Devido a grande especificidade das embarcações (navios porta-contêineres; navios graneleiros, etc.), surge uma grande dificuldade na operação destes, pois uma vez que um navio se desloca para um destino o mesmo vai totalmente carregado com suas cargas de transporte e outros elementos necessários para sua operação, sendo nessas condições o navios está totalmente estável. A dificuldade é quando ocorre o despejo dessas cargas em seu destino. Se o navio não conseguir carga para transportar até seu próximo destino ele não ficará estável para sua navegação, assim estando vulnerável as forças externas, correndo o risco de virar ou afundar.
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A alternativa para que esses navios continuem estáveis mesmo sem suas cargas ou mesmo com uma pequena quantidade dela, é a utilização de um peso extra, assim garantindo que seu casco continue imerso na água, conforme padrões determinados sobre “calado do navio”. A estabilização dos navios utilizando o peso extra é conhecido com Lastro.
Água de lastro é a definição para a água armazenada dentro de tanques nos navios para manter o equilíbrio destes a fim de garantir boa segurança na operação dos navios. No entanto, o sistema da água de lastro é por meio da utilização de várias bombas, tubulações e válvulas com a finalidade de despejar a água do interior para o exterior e vice versa.
Figura 1 – Processo de lastreamento das embarcações
Por consequência desse sistema da água de lastro, que visa manter em condições boas de navegabilidade os navios, apresenta-se como uma grande ameaça ao meio ambiente, principalmente ao ecossistema marinho. Pois estes navios realizam diversas viagens por ano, navegando entre diversos sistemas aquáticos diferentes, o que por meio constante dessas águas de lastros pode ocasionar em um problema ambiental gravíssimo, a bioinvasão.
Figura 2 – Processo de deslastreamento da embarcação
OS IMPACTOS AMBIENTAIS PROVOCADOS PELA ÁGUA DE LASTRO
Uma vez que o navio não conseguir carga suficiente para manter seu equilíbrio e ótimas condições de navegabilidade, faz com que este capture a água daquele ambiente marinho do seu destino para ser manter estável. No entanto, o fato de obter essa carga extra com essa água faz com que o mesmo capture não somente a água ao seu redor, mas também todos os seres vivos e substâncias orgânicas e inorgânicas ali presente, sem saber ao certo se nesse ambiente marinho a água capturada está contaminada por fatores adjacentes ao porto ou ainda com a presença de seres vivos endêmicos ou não.
Por exemplo, um navio que sai do porto de Santana, Amapá, em direção ao porto de Lisboa em Portugal. Este ao sair de seu ponto inicial vai totalmente estável, carregado com cargas de transporte e outros insumos, para entregar no seu ponto de destino, no entanto ao chegar no mesmo, o navio quando despejar sua carga no porto de Lisboa deve capturar a água daquele local com o objetivo de manter as condição ideais de equilíbrio para uma boa navegabilidade e se direcionar a outro destino.
Apesar de que essa atividade da água de lastro ser prejudicial ao meio ambiente, sabe-se que ela não é intencional, pois o seu único objetivo é manter a segurança do navio. O problema está justamente nessa transferência de espécies que pode acontecer de um sistema aquático a outro totalmente diferente, uma vez que muitas espécies podem sobreviver a esse transporte, armazenada nos tanques dos navios.
A transferência de espécies altera as condições iniciais do ambiente, uma vez que uma nova espécie pode se tornar um predador naquele novo ambiente ou ainda uma presa e provocar mudanças incomensuráveis para o ecossistema aquático, além de prejuízos à comunidade local e a população como um todo, podendo provocar doenças de veiculação hídrica.
Além da transferência de espécies de um ambiente aquática a outro, pode acontecer da transferência de águas contaminadas, de bactérias, vírus e entre outras doenças de veiculação hídrica capazes de sobreviver ao deslocamento nos tanques de água de lastro de um ambiente aquático a outro.
Os desequilíbrios ambientais provocados pelas espécies invasoras resultam diretamente nos seres humanos, pois doenças podem ser transferidas, além de microrganismos patogênicos que podem trazes riscos à saúde humana. Ainda com o objetivo de combater essas espécies presentes nesse novo ambiente, produtos químicos são colocados na água, o que pode provocar outros impactos ambientais.
Um exemplo desse processo de bioinvasão no Brasil é a introdução do Bivalve Asiático, mais conhecido como Mexilhão Dourado (Limnoperna fortunei). Essa é uma espécie nativa de rios e arroios chineses e do sudeste asiático. No ano de 2001 foi identificado sua presença na Usina de Itaipu e mais tarde nas usinas Porto Primavera e Sérgio Motta, em São Paulo.
O impacto da inserção dessa espécie no Brasil tem sido em problemas relacionados à saúde pública e ainda no entupimento de tubulações, de filtros de usinas hidroelétricas e de bombas de aspirações de água, ocasionando impactos significativos nas espécies nativas e ainda problemas na pesca.
Os problemas ocasionados por essa espécies nas usinas hidroelétricas acaba afetando toda a sociedade brasileira, uma vez que problemas nas usinas resultam no aumento nos custos de manutenção e limpeza dessas instalações atacadas por essa espécies e consequentemente, o aumento do custo operacional acaba sendo transferido para os consumidores.
Saiba mais sobre essa bioinvasão acessando:
Mexilhão Dourado prejudica usina hidroelétrica de ITAIPU
Em relação ás águas de lastro, principalmente, à bioinvasão e todos os problemas dela decorrentes, os principais órgãos estatais nacionais envolvidos são o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente e a Marinha do Brasil. Sendo que esses órgãos detêm a finalidade de elaborar um regime nacional eficaz para lidar com os assuntos de Estado de Bandeira, Estado do Porto e Estado Costeiro e das questões de saúde relacionados a este problema, afirma FÁBIO IBRAHIM, 2012.
De acordo com IBRAHIM, nos últimos 16 anos o Brasil vem se regulamentando sobre os problemas relacionados às águas de lastro, sendo a primeira normativa a tratar sobre o assunto foi a Portaria nº 0009 de 2000, que fez entrar em vigor, com a aprovação da Diretoria de Portos e Costas (DPC), a norma marítima 08 (NORMAN 8), que criou e tornou obrigatório o preenchimento do “relatório de água de lastro”, que solicita a todas as embarcações que descrevam a trajetória da água utilizada como lastro: de onde veio, onde foi trocada e onde foi descarregada.
Posteriormente a essa normativa, surgiu outras sobre esse tema, como a Lei Federal nº 9.966/2000; Decreto nº 4.136/2002; Resolução da ANVISA RDC nº217/2001 e Portaria da DPC nº 52/2005 aprovando a Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios – NORMAM 20/DPC.
Esta última norma estabelece que as embarcações que naveguem em águas jurisdicionais nacionais deverão:
- Realizar a troca da água de lastro a pelo menos 200 milhas náuticas da costa e em águas com pelo menos 200 metros de profundidade;
- Trocar a água de lastro se estiver engajado em navegação comercial entre bacias hidrográficas distintas e sempre que a navegação for entre portos marítimos e fluviais;
- Utilizar para a troca da água de lastro os métodos de tratamento adequados e preencher de forma correta o formulário com as informações relativas à origem, troca e descarga de água utilizada como lastro.
Figura 3 – Lastreamento e deslastreamento das embarcações
Fonte: adaptado de TOSCANO, (2012, Porta da Amazônia)
Estão sujeitas a cumprir as instruções da referida norma, todas as embarcações brasileiras ou estrangeiras que se utilizarem dos portos e terminais nacionais. Nesta ainda trata quando da dispensa da aplicação das exigências desta norma, da isenção e entre outros requisitos.
No entanto, por mais bem regulamentado que seja sobre as águas de lastro, sobre o procedimento adequado para o despejo das águas de lastro, estes ainda necessitam de maiores elucidações, principalmente com respeito às especificidades de cada região, afirma IBRAHIM.
COMO SANAR ESSES PROBLEMAS OU PELO MENOS MINIMIZÁ-LOS?
Uma das soluções é o gerenciamento da água de lastro nos navios, que é a troca eficiente da água de lastro. O ideal seria se todos os navios já chegassem aos portos com sua água de lastro livre de qualquer possível invasor ou com contaminantes. Umas das possíveis ideais soluções para as águas de lastro, seria o seu tratamento ainda nos navios, porém ainda existem controvérsias sobre essa possibilidade, o que ainda não é muito utilizado.
A grande maioria dos navios realiza o gerenciamento da água de lastro a bordo dos navios, por meio de algumas técnicas como a transferência entre tanques, troca sequencial, transbordamento da água pelo convés e a diluição, que consiste no despejo da água pelo fundo do casco; cada uma dessas alternativas será apresentada sucintamente a seguir.
1 – TRANSFERÊNCIA ENTRE TANQUES
Navios trazendo água de lastro classificada como de “alto risco” podem utilizar a transferência de lastro entre tanques como uma opção de manejo de água de lastro; dessa forma, a água de lastro é mantida no navio juntamente com o novo carregamento a ser transportado.
2 – TROCA SEQUENCIAL OU OCEÂNICA
Este método implica em esvaziar os tanques de água de lastro que contêm água de alto risco em alto-mar antes de enchê-los novamente com água limpa de áreas profundas. É muito importante que a mistura atingida por tal método não contenha mais do que 5% de água de lastro considerada de alto risco (água de lastro residual), sendo:
3 – ESCOAMENTO DOS TANQUES COM ÁGUA OCEÂNICA – TRANSBORDAMENTO
No mínimo 300% (da capacidade máxima dos tanques) de água limpa de áreas oceânicas profundas deve ser bombeada para dentro de cada tanque de lastro até atingir o nível mínimo de 95% de troca volumétrica. Até mesmo quando, ao iniciar a operação de escoamento dos tanques, um tanque está apenas parcialmente cheio de água de lastro de alto risco, ele deve ser bombeado a 300% de sua capacidade máxima. A capacidade de 300% começa a ser medida quando a água limpa de áreas oceânicas profundas começa a entrar no interior do tanque, e não quando o tanque começa a derramar; essa capacidade pode ser calculada pela seguinte expressão:
4 – DILUIÇÃO
Alguns navios (geralmente petroleiros) possuem bombas extras para água de lastro, em alguns deles, a água de lastro pode ser bombeada para dentro do tanque por um lado e bombeada para fora pelo outro lado do tanque simultaneamente.
Este método difere do anterior por usar 2 bombas de lastro ao mesmo tempo. A similaridade está nos 300%, ou seja, cada tanque deve ser bombeado a 300% de sua capacidade máxima; basicamente, a água de lastro é injetada pelo convés e extravasada pelo fundo do casco.
No entanto o uso dessas técnicas não garantem total imunização contra os problemas ambientais relacionados às águas de lastro, mas os reduzem consideravelmente. A dificuldade nessas técnicas é na sua total realização, pois estas operações demandam mais custos operacionais aos navios que nem sempre estão dispostos a arcar. Para que essas normas sejam efetivamente cumpridas se faz necessário mais fiscalizações e penas mais severas quando da ocorrência de violações de tais normas regulamentadoras.