Este artigo é um resumo do artigo científico publicado no livro “Encontros e percepções geográficas: diálogos e provocações de Jadson Porto, publicado por uniedusul em 2022”, com título “Amapá: Um Estado Costeiro – Reflexões sobre Vulnerabilidades, Riscos e Adaptações a Mudanças Climáticas” de autoria de Valdenira Santos, Benedito Júnior, Fernanda Souza e Luis Silva.
Introdução
As áreas costeiras, com sua riqueza em recursos e serviços ecossistêmicos, são cruciais, mas também vulneráveis devido à interação de complexos processos naturais. Esses ecossistemas costeiros são dinâmicos e estão em constante transformação. No entanto, a interferência humana na chamada “Era do Antropoceno” tem afetado o equilíbrio dessas áreas, ameaçando sua estabilidade.
Estas áreas têm grande valor ecológico e produtividade, elevadas concentrações populacionais e infraestruturas de grande importância económica. Na verdade, a maioria da população mundial vive a menos de 150 quilómetros da costa e muitas das maiores cidades do mundo estão localizadas nestas áreas, zona costeira.
Situado em uma região costeira de baixa altitude, o Estado do Amapá é especialmente vulnerável a riscos entre eles a elevação do nível do mar e os eventos climáticos extremos.Embora o ocupe apenas uma pequena fração da área dos Estados costeiros, possui uma grande população e a densidade populacional nessas áreas é consideravelmente superior à média global.
As alterações climáticas agravam estas vulnerabilidades, realçando a necessidade urgente de medidas de mitigação e adaptação. Este artigo revela as vulnerabilidades e os riscos enfrentados pela região costeira do Amapá e explora como as mudanças ambientais afetam os ecossistemas, as populações e a infraestrutura. É evidente que, dada a importância destas zonas e os desafios que enfrentam, é crucial tomar medidas para proteger o ambiente e aumentar a resiliência das comunidades costeiras.
A Zona Costeira Amazônica: Desafios e Riquezas Ocultas
A Zona Costeira da Amazônia é um verdadeiro tesouro escondido, caracterizado por uma complexa interação entre os sistemas terrestres e marinhos. No entanto, definir seus limites é uma tarefa desafiadora, pois envolve considerações políticas, legais e ecológicas. A zona costeira pode variar em largura e extensão, dependendo das necessidades de gestão e das interações ambientais.
No Brasil, a Zona Costeira é considerada um Patrimônio Nacional, abrangendo uma faixa marítima que se estende por doze milhas náuticas a partir das linhas de base e uma faixa terrestre que engloba municípios diretamente afetados por fenômenos costeiros. Atualmente, os 444 municípios costeiros concentram cerca de 24% da população brasileira.
Essa concentração populacional na costa é resultado da influência histórica da colonização do Brasil, onde o oceano desempenhou um papel fundamental na integração do continente americano ao mundo europeu. No entanto, as características naturais dos sistemas costeiros e marinhos também desempenham um papel crucial no desenvolvimento das atividades humanas.
A Zona Costeira Amazônica, em particular, é única devido à presença marcante do rio Amazonas, o maior rio em volume de água do mundo. O clima equatorial e os fenômenos do El Niño e La Niña influenciam fortemente a dinâmica hidrológica dessa região, resultando em estações chuvosas e secas bem definidas. Essas condições afetam a dinâmica dos rios da região e suas interações com os sistemas costeiros e marinhos.
Os sistemas costeiros amazônicos se estendem por mais de 2.250 km e incluem uma variedade de ambientes costeiros e marinhos. No entanto, devido a desigualdades regionais e falta de infraestrutura de pesquisa, muitos desses ambientes permanecem pouco conhecidos.
Essa região é caracterizada por suas extensas planícies de inundação e a influência das marés, que afetam a fertilidade do solo, a biodiversidade e a paisagem costeira. A vida das cerca de 7 milhões de pessoas que habitam os municípios costeiros da Amazônia depende da qualidade desses sistemas naturais e de políticas públicas que considerem os desafios complexos dessa região sujeita a mudanças ambientais rápidas, tanto naturais quanto causadas pelo homem.
Figura 1 – Distribuição e evolução da população (2000 a 2021) nos municípios costeiros da Amazônia Legal.
A Zona Costeira Amazônica é um verdadeiro enigma e um patrimônio inestimável. Compreender seus limites e preservar sua riqueza é essencial para o bem-estar das populações locais e para a conservação desse ecossistema único no mundo.
O Amapá e Seu Papel Fundamental na Zona Costeira Brasileira
O estado do Amapá, aninhado no Platô das Guianas, desempenha um papel fundamental na zona costeira brasileira. Sua localização privilegiada, limitada pelo rio Amazonas e conectada ao Escudo das Guianas, o conecta a cinco países além do Brasil: Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Essa geografia única é resultado da história geológica da região e moldou paisagens, habitats e biodiversidade únicos.
Como estado costeiro, o Amapá é marcado por sua hidrografia. A maioria das bacias hidrográficas flui para o estuário do rio Amazonas ou para o Oceano Atlântico, criando uma vasta planície de inundação interligada por marés. Esse cenário faz do Cabo Norte, no Amapá, uma das áreas costeiras mais largas do Brasil.
Essa condição hidrográfica do Amapá é crucial para o transporte, uma vez que o estado não possui conexão viária com outros estados do Brasil. A hidrovia Amazonas-Solimões liga o Amapá a todos os estados brasileiros ao longo do rio Amazonas e o conecta com o mundo através do Oceano Atlântico. Portanto, o Amapá atua como uma porta de entrada e saída para a Bacia Hidrográfica Amazônica.
Essa integração fluvial e marítima influencia o desenvolvimento econômico e a vida das populações locais. Além disso, apresenta desafios complexos na gestão de recursos hídricos e no equilíbrio entre os sistemas terrestres e marinhos.
A abundância de água no Amapá cria condições ideais para uma grande variedade de peixes e crustáceos, essenciais para a subsistência de cerca de 30 mil pessoas que dependem da pesca na região. No entanto, a ausência de monitoramento sistemático das atividades pesqueiras e a falta de fiscalização adequada dificultam a avaliação dos recursos pesqueiros e a sustentabilidade a longo prazo.
Além disso, a concentração populacional nos municípios costeiros, onde 11 dos 17 municípios são classificados como costeiros, apresenta desafios adicionais. A falta de infraestrutura viária que conecta o Amapá a outros estados brasileiros torna essas áreas costeiras o centro da vida no estado. O Amapá abriga cerca de 88% de sua população nesses municípios costeiros.
Tabela 1 – Percentual de população nos municípios costeiros da Amazônia Legal.
Essa concentração populacional intensifica os desafios ambientais e socioambientais das áreas costeiras do Amapá, destacando a importância de políticas públicas que considerem a complexidade dessas regiões e a necessidade de lidar com vulnerabilidades e riscos associados a elas.
O Amapá é um estado verdadeiramente singular na zona costeira brasileira, com uma riqueza natural incomparável, mas também com desafios significativos que exigem atenção e ação cuidadosa.
Vulnerabilidade e Riscos Costeiros no Amapá: Desafios Ambientais à Beira-mar
As áreas costeiras desempenham um papel estratégico no Brasil, mas também apresentam desafios complexos em termos de gestão e planejamento. A relação entre as condições físico-ambientais dessas regiões e seu uso e ocupação é fundamental para entender as vulnerabilidades e os riscos costeiros. No Amapá, essa questão assume um caráter crítico, afetando populações, infraestrutura e serviços localizados na zona costeira do estado.
A vulnerabilidade costeira é um tema essencial na gestão dessas áreas e está relacionada à capacidade das pessoas e comunidades de antecipar, lidar, resistir e se recuperar de impactos decorrentes de perigos naturais ou eventos extremos. No Amapá, fatores como a exposição a ameaças como inundação, erosão e intrusão salina tornam as populações costeiras suscetíveis a perdas e danos.
- Inundação: A ocorrência de inundações na região costeira do Amapá está relacionada à hidrografia local, que envolve altas amplitudes de marés e baixas altitudes. Essa combinação torna a área propensa a inundações, especialmente entre março e maio. Nos últimos anos, o estado experimentou um aumento na frequência desses eventos, afetando significativamente as comunidades e causando danos materiais e públicos.
Figura 2 – Distribuição das ocorrências de inundações por ano no estado do Amapá (esquerda) e concentração das ocorrências por mês (direita) para o período de 1991 a 2019.
- Erosão: A erosão costeira é influenciada por fatores fluviais e marinhos. Nas áreas próximas ao mar, a ação de ondas, marés e ventos desempenha um papel crucial. A erosão fluvial e os movimentos gravitacionais, conhecidos como “terras caídas”, também afetam a região. A erosão costeira representa um desafio não apenas devido às mudanças no ambiente natural, mas também devido aos impactos nas construções urbanas, afetando negativamente atividades como turismo, pesca e esportes náuticos.
Figura 3 – Percentual do litoral brasileiro sob erosão em cada estado costeiro. Notar que no Amapá 65% da linha de costa está sob processo erosivo costeiro o que representa uma das maiores taxas do país.
- Intrusão Salina: A intrusão salina refere-se ao aumento da salinidade da água e pode afetar as comunidades que dependem dos recursos hídricos locais. Embora haja falta de dados contínuos para monitorar esse fenômeno, relatos de comunidades locais indicam preocupações crescentes sobre o aumento da salinidade, especialmente na região de Bailique.
- Riscos Tecnológicos: Os riscos tecnológicos incluem acidentes industriais, poluição e desastres relacionados a atividades humanas, como derramamentos de óleo. Apesar de o Amapá não ter exploração de petróleo offshore, a intensa atividade de navegação na região aumenta o risco de derramamentos de óleo, que podem causar danos significativos ao meio ambiente e à economia local.
Figura 4 – Densidade de embarcação na hidrovia Amazonas-Solimões em contato com o Oceano Atlântico. As cores mais rosadas indicam maior tráfego de embarcações.
Figura 5 – Mapa dos índices de sensibilidade ao derramamento de óleo para a Bacia Marítima da Foz do Amazonas. As cores avermelhadas indicam habitats com maior índice de sensibilidade.
Os desafios da gestão costeira no Amapá exigem a compreensão e o monitoramento contínuo dos processos físicos, bem como a preparação para resposta imediata a possíveis desastres. Além disso, a formação de pessoal local e a cooperação entre diversos segmentos da sociedade são essenciais para garantir a segurança das comunidades costeiras e a preservação desses preciosos ecossistemas.
Mudanças Climáticas e suas Conexões com a Vulnerabilidade Local na Zona Costeira do Amapá
Nas últimas décadas, o mundo tem testemunhado um aumento alarmante nos níveis do mar como resultado das mudanças climáticas. Segundo o relatório técnico do IPCC de 2019, observações indicam que o nível médio dos mares acelerou seu aumento, atingindo uma taxa de 3,6 mm por ano no período entre 2006-2015. Grande parte dessa aceleração é atribuída à influência humana, em particular, a partir dos anos 1970.
Figura 6 – Distribuição espacial da tendência de elevação do nível médio do mar regional (mm/ano) observada por satélites altimétricos no período de 1993-2021. A costa amazônica onde o Amapá se insere, por ser uma costa baixa, possui um das maiores taxas de elevação em mm por ano.
Essas mudanças climáticas, combinadas com o crescimento urbano desordenado, estão tornando a costa brasileira, e em especial a do Amapá, mais vulnerável a eventos extremos. Com um litoral de aproximadamente 8.700 km, o Brasil tem mais de 60% de sua população vivendo em cidades costeiras. Essa dinâmica costeira torna a região suscetível a inundações e erosões, o que, por sua vez, causa prejuízos socioeconômicos e perdas ambientais.
O Amapá, com sua localização na foz do rio Amazonas, enfrenta desafios adicionais devido às extensas áreas inundáveis resultantes de cheias de rios e marés. Prevê-se que as inundações se tornem mais frequentes e intensas nessa região, e as mudanças na batimetria dos estuários podem agravar esses eventos.
Além disso, a baixa declividade da região a coloca em uma posição de maior exposição à erosão costeira, enquanto os processos de acresção e colmatação de terras estão fechando canais e isolando comunidades costeiras. Essas transformações afetam a delimitação de terrenos em áreas costeiras.
As mudanças climáticas também afetarão os parâmetros hidrológicos e hidrogeológicos, incluindo a intrusão salina relacionada ao lençol d’água subterrâneo. Infelizmente, as informações contínuas sobre esses processos são escassas na região do Amapá.
Diante desse cenário, a falta de informações adequadas sobre a região costeira amapaense prejudica a formulação de estratégias de mitigação e adaptação eficazes. Além disso, o rápido crescimento das construções de barragens a montante do rio Amazonas interfere no fluxo de sedimentos do rio, o que complica ainda mais a situação.
Fragilidades institucionais e falta de planos eficazes para enfrentar esses desafios ampliam as ameaças à região. A pesca, um recurso vital para a subsistência e a economia local, também será afetada devido às mudanças na distribuição das espécies e a localização dos bancos pesqueiros.
Para lidar com essas questões, é fundamental implementar um plano de mitigação e adaptação que leve em consideração as particularidades da região e aumente a resiliência das comunidades, atividades e infraestruturas costeiras. A gestão costeira eficaz, com uma abordagem integrada que envolve a comunidade científica, o poder público e a sociedade civil, é crucial para enfrentar esses desafios.
Em todo o mundo, cidades costeiras estão se preparando para lidar com eventos extremos e mudanças climáticas. Os cientistas estão trabalhando arduamente para gerar conhecimento adequado, mas regiões com menor grau de conhecimento e resiliência enfrentarão os maiores problemas. A colaboração entre todos os envolvidos é essencial para enfrentar esses desafios complexos.
A consciência da importância da interdisciplinaridade nas abordagens dos problemas costeiros é crucial, pois agir fora desse princípio só acirrará os problemas existentes. A zona costeira amapaense e suas complexidades exigem uma abordagem unificada para enfrentar as mudanças climáticas e garantir um futuro mais resiliente para essa região única e valiosa.
Considerações Finais
Diante das mudanças climáticas, a zona costeira do Amapá se encontra em um estado de crescente vulnerabilidade. Aumento das inundações, erosões costeiras e intrusão salina nos estuários são apenas alguns dos desafios que a região enfrenta. Para evitar os efeitos prejudiciais dessas mudanças e aumentar a resiliência das populações, atividades e infraestruturas costeiras, é imperativo implementar um plano de mitigação e adaptação que leve em consideração as particularidades locais.
É fundamental criar uma consciência sobre esses problemas e incentivar a ação. Isso requer uma gestão costeira robusta que envolva a comunidade científica, o poder público e a sociedade civil, promovendo o desenvolvimento socioambiental e o bem-estar das populações. Além disso, é necessário considerar uma abordagem interdisciplinar que leve em conta os aspectos físico-ambientais e socioeconômicos da zona costeira.
O fortalecimento da gestão costeira, o monitoramento contínuo das ameaças costeiras, o desenvolvimento de soluções de mitigação e a comunicação eficaz são passos essenciais para lidar com os desafios iminentes. O trabalho conjunto de todas as partes interessadas é crucial para superar as incertezas trazidas pelas mudanças climáticas na zona costeira amapaense e, finalmente, alcançar um futuro mais sustentável e resiliente.
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Referências
Para a elaboração deste artigo, foram consultados as fontes confiáveis e respeitáveis, incluindo:
- Porto, Jadson. Encontros e Percepções geográficas: diálogos e provocações. Maringá, PR: Uniedusul, 2022. Disponível em: <https://www.uniedusul.com.br/>.